Lucas Guesser
Editor-Chefe
É com grande satisfação que apresentamos a terceira edição da Revista Sul-Brasileira de Contabilidade e Economia. Neste volume, transitamos entre a infraestrutura macroeconômica e os desafios comportamentais da profissão, oferecendo um panorama robusto sobre desenvolvimento, regulação e capital humano.
Iniciamos com nosso Artigo em Destaque, que investiga o papel estruturante da Celesc no desenvolvimento de Santa Catarina. A análise correlaciona os ciclos de investimento em energia com os saltos no PIB e no IDH do estado, demonstrando como a infraestrutura atua como vetor de redução de desigualdades regionais.
Na sequência, adentramos a esfera da contabilidade financeira com o estudo sobre a Informatividade do Ativo em empresas reguladas. Os autores exploram como a adoção das IFRS e da IFRIC 12 impactou a percepção de risco sistemático, trazendo insights valiosos sobre a qualidade da informação contábil no setor de infraestrutura.
Voltando o olhar para a academia, apresentamos uma pesquisa sensível sobre a Saúde Mental dos Futuros Contadores. Utilizando modelagem de equações estruturais (PLS-SEM), o estudo revela como a ansiedade impacta a motivação para aprender, um alerta necessário para instituições de ensino.
Por fim, provocamos uma reflexão sobre gestão pública com o artigo que questiona se Candidatos Empresários se tornam melhores políticos. Através de uma rigorosa análise de Regressão Descontínua (RDD), os autores testam a premissa da eficiência gerencial na administração municipal.
Boa leitura a todos.
Resumo: Este artigo investiga a hipótese de que a Celesc desempenha um papel estruturante na manutenção dos elevados indicadores de PIB e IDH de Santa Catarina. A análise abrange o período de 2000 a 2024, examinando como a robustez do sistema elétrico permitiu a sofisticação da matriz industrial e como a capilaridade da rede influenciou dimensões de educação e renda. O estudo conclui que a natureza híbrida da empresa (economia mista) permite um alinhamento estratégico com metas de desenvolvimento estadual.
A relação intrínseca entre o consumo de energia elétrica, a qualidade da infraestrutura de distribuição e o desenvolvimento econômico é um tema central na literatura econômica. Santa Catarina, caracterizada por um modelo de desenvolvimento policêntrico, apresenta indicadores de PIB e IDH superiores à média nacional. Este artigo investiga como a Celesc atua não apenas como fornecedora de utilities, mas como vetor de política pública.
Estudos econométricos indicam uma bicausalidade no longo prazo entre energia e PIB. Para Santa Catarina, marcada pela dispersão de polos industriais (Norte metalomecânico, Vale têxtil, Oeste agroindustrial), a teoria da "Infraestrutura como Bem Público Local" é relevante. A Celesc, ao equalizar a qualidade do fornecimento, mitiga desigualdades regionais.
A economia catarinense demonstrou notável resiliência. Entre 2002 e 2022, o PIB registrou um aumento nominal de aproximadamente 756%. Em 2023, atingiu R$ 513,4 bilhões, com um PIB per capita de R$ 67.459,70, superior à média nacional.
| Ano | PIB (R$ Bilhões) | PIB per Capita (R$) | Contexto Econômico |
|---|---|---|---|
| 2002 | 56,8 (Est.) | 10.200 | Base industrial sólida. |
| 2010 | 153,7 | 24.500 | Recuperação pós-crise 2008. |
| 2021 | 428,6 | 58.400 | Recuperação em "V" pós-pandemia. |
| 2023 | 513,4 | 67.459 | Consolidação como 6ª maior economia. |
Indústria de Transformação: Setores automatizados em Joinville e Jaraguá do Sul exigem estabilidade (indicadores DEC/FEC) para evitar prejuízos em linhas de produção.
Agronegócio (Oeste): Baseado em pequenas propriedades integradas, depende de energia para climatização de aviários e ordenha mecanizada. O crescimento do PIB agropecuário depende da eletrificação rural.
Em Santa Catarina, municípios do interior frequentemente superam a capital em indicadores de IDH. Em 2021, o IDHM estimado foi de 0,792. A longevidade (0,860) está ligada ao saneamento e saúde, dependentes de eletricidade.
Educação e Renda: A eletrificação universal permite escolas com turnos noturnos e laboratórios. A renda per capita elevada no interior (ex: Brusque, Chapecó) é sustentada por uma industrialização que só é possível com infraestrutura robusta.
A Celesc, sociedade de economia mista, equilibra eficiência operacional (EBITDA crescente) com metas de desenvolvimento. Atende mais de 3,46 milhões de unidades consumidoras.
| Ano | Unidades (Milhões) | Contexto Operacional |
|---|---|---|
| 1955 | 0,035 | Fundação; Sistema fragmentado. |
| 2010 | ~2,40 | Universalização urbana. |
| 2023 | 3,46 | Expansão industrial e rural. |
2010-2015 (Modernização): Investimentos em subestações blindadas permitiram a consolidação de Florianópolis como polo tecnológico. A postura anticíclica em 2014 ajudou a amortecer a recessão nacional.
2016-2019 (Eficiência): Foco em automação (religadores) protegeu o PIB da indústria de alimentos, onde interrupções geram perdas massivas.
2020-2024 (Resiliência): Em 2020, investimento recorde de R$ 629,8 milhões. Em 2021, R$ 777,1 milhões suportaram o crescimento industrial de 8,4%. O plano 2023-2026 prevê R$ 4,5 bilhões, apostando na continuidade do crescimento.
A substituição de redes monofásicas por trifásicas permitiu aos produtores do Oeste instalar equipamentos modernos. Isso aumentou o Valor Bruto da Produção (VBP) e melhorou o IDH rural, reduzindo o êxodo ao equalizar o conforto doméstico com o urbano.
Como acionista controlador, o Estado recebe dividendos que financiam saúde e educação. O estudo corrobora que a Celesc é um pilar do modelo catarinense, atuando simultaneamente como motor econômico e agente de justiça social.
Resumo: Este estudo analisa a relação entre a informatividade do ativo contábil e o risco sistemático de empresas reguladas de infraestrutura no Brasil após a adoção das IFRS, com foco naquelas que aplicaram a IFRIC 12. Utilizando dados de 89 empresas listadas na B3 (2004-2022), constatou-se que a informatividade do ativo contábil das empresas que aplicaram a IFRIC 12 está associada à redução no risco sistemático, sugerindo que a bifurcação dos ativos (intangível/financeiro) melhorou a capacidade informativa dos relatórios.
Empresas de infraestrutura em setores regulados operam sob concessões e demandam investimentos intensivos de capital. Com a adoção das IFRS no Brasil (Lei 11.638/2007) e a introdução da IFRIC 12, os ativos operacionais deixaram de ser imobilizados para serem classificados como intangíveis ou financeiros. Esta mudança alterou a estrutura patrimonial e de resultados dessas companhias.
A pesquisa investiga se essa mudança afetou a "Informatividade do Ativo" — a capacidade do ativo contábil de explicar o capital econômico da firma — e sua relação com o risco sistemático (Beta do CAPM). A hipótese central é que a informatividade do ativo está negativamente associada ao risco sistemático.
A IFRIC 12 estabeleceu que, em concessões públicas, o operador não detém o controle do ativo físico, mas sim o direito de cobrar tarifas (ativo intangível) ou receber fluxos de caixa (ativo financeiro). Embora tenha aumentado a complexidade e o julgamento profissional, esperava-se que melhorasse a relevância da informação.
O ativo contábil (At) é uma proxy para o capital econômico (Kt), sujeito a erros de mensuração (εt). A relação é dada por:
A informatividade é medida pela capacidade de At explicar os resultados futuros, segregada em componentes inatos (do setor) e discricionários (escolhas da gestão).
A amostra incluiu 89 empresas da B3, sendo 21 reguladas que aplicaram a IFRIC 12. O período analisado foi de 2004 a 2022. O modelo econométrico utilizou o método de diferenças em diferenças.
A informatividade foi calculada pelo coeficiente de determinação (R²) da seguinte regressão, rodada em janelas móveis:
Onde NOPAT é o lucro operacional após impostos e NOA é o ativo operacional líquido defasado.
O risco sistemático (β) foi modelado em função da adoção das IFRS, da aplicação da IFRIC 12 (TREAT) e da Informatividade do Ativo (IA):
Os testes indicaram uma relação negativa entre a adoção das IFRS e o risco sistemático (beta desalavancado). Especificamente para as empresas reguladas (grupo de tratamento), a variável de interação (EF4) confirmou que a informatividade do ativo após a IFRS está associada à redução do risco.
A informatividade global (IAG) e a parte não discricionária (IAND) mostraram-se mais relevantes que a parte discricionária. Isso sugere que investidores precificam a qualidade da informação setorial transbordada.
Os resultados confirmam que a bifurcação dos ativos trazida pela IFRIC 12 favoreceu a capacidade do ativo de informar sobre o resultado futuro das empresas de infraestrutura. A redução do risco sistemático observada beneficia o custo de capital e o valor econômico dessas companhias, validando o esforço regulatório de convergência internacional.
Resumo: A ansiedade, quando excessiva, pode imobilizar ações e impactar o processo de aprendizagem. Esta pesquisa analisou a relação dos sintomas de ansiedade (estado e traço) na motivação para aprender de 181 alunos de Ciências Contábeis da UFSM. Utilizando Modelagem de Equações Estruturais (PLS-SEM), os resultados apontaram que a Ansiedade-Traço (AT) é uma determinante negativa para a Motivação para Aprender (MA), enquanto a Ansiedade-Estado (AE) não apresentou efeito significativo.
O ingresso no ensino superior, especialmente em cursos exigentes como Ciências Contábeis, pode desencadear medo, insegurança e pressão. Estudos anteriores indicam que graduandos com maiores níveis de ansiedade tendem a obter menores notas. Este estudo busca preencher a lacuna sobre como a ansiedade (Estado e Traço) afeta especificamente a motivação para aprender no contexto pós-pandemia.
Ansiedade: Diferencia-se em Ansiedade-Estado (AE), transitória e reativa a momentos específicos, e Ansiedade-Traço (AT), uma característica mais duradoura da personalidade. O transtorno ocorre quando a ansiedade é desproporcional.
Motivação para Aprender: Refere-se ao interesse e esforço do aluno em adquirir conhecimento. A literatura sugere que problemas emocionais podem minar essa motivação.
A pesquisa quantitativa aplicou o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE) e a escala de Motivação de Tho (2017) em 181 alunos da UFSM. A análise utilizou Modelagem de Equações Estruturais (PLS-SEM) via software SmartPLS.
A avaliação do modelo seguiu etapas rigorosas de validade convergente e discriminante.
Inicialmente, algumas variáveis foram excluídas para atingir a Variância Média Extraída (VME) adequada (>0,5). Após o ajuste, a consistência interna foi confirmada.
| Constructo | Alfa de Cronbach | VME |
|---|---|---|
| Ansiedade-Estado | 0,815 | 0,522 |
| Ansiedade-Traço | 0,815 | 0,517 |
| Motivação | 0,820 | 0,576 |
O Coeficiente de Explicação (R²) indicou que a motivação é moderadamente explicada pelas ansiedades (R² = 0,148).
| Hipótese | Caminho | Coef. (β) | Situação |
|---|---|---|---|
| H1 | AE → Motivação | -0,148 (p=0,251) | Rejeitada |
| H2 | AT → Motivação | -0,258 (p=0,050) | Suportada |
O estudo conclui que a Ansiedade-Traço impacta negativamente na motivação para aprender. Por ser uma característica de personalidade mais persistente, a AT gera desinteresse e falta de foco contínuos. A Ansiedade-Estado, sendo momentânea, não demonstrou efeito estatístico significativo na motivação geral. Os resultados servem de alerta para que Instituições de Ensino Superior implementem programas de apoio psicopedagógico.
Resumo: O perfil de quem é eleito importa? Este estudo investiga se prefeitos com experiência empresarial no Brasil geram resultados de gestão distintos. Utilizando um Desenho de Regressão de Descontinuidade (RDD) em eleições acirradas, comparamos municípios onde um empresário venceu por margem mínima contra não-empresários. Os resultados indicam consistentemente que prefeitos com histórico empresarial não se diferenciam em indicadores fiscais, sociais ou econômicos.
A narrativa de que a experiência no setor privado traduz-se em eficiência na gestão pública é comum. Empresários frequentemente alegam competência gerencial superior. No entanto, a literatura aponta resultados mistos. Este artigo explora o contexto brasileiro, analisando se prefeitos empresários impactam indicadores como arrecadação de IPTU, PIB, IDEB e saúde.
Para isolar o efeito causal e evitar viés de endogeneidade, utilizou-se o método de Regressão de Descontinuidade (RDD). A análise foca em eleições decididas por margem mínima (close races), onde o resultado é quase aleatório.
A variável de tratamento é definida como:
Onde a margem é a diferença de votos entre o empresário e o segundo colocado não-empresário.
Foram analisados dados de eleições de 2004 a 2016. Os testes de validação (McCrary) confirmaram a robustez do design.
| Variável | Coeficiente | Significância |
|---|---|---|
| Arrecadação IPTU | -1.353 | 10% (Fraca) |
| Gastos Educação | 41,7 | Não Sig. |
| Var. PIB | -0,254 | Não Sig. |
| Cobertura Vacinal | -0,528 | Não Sig. |
A análise não encontrou diferenças estatisticamente robustas. A significância fraca no IPTU desaparece em outras especificações de bandwidth.
Contrariando o senso comum, a experiência empresarial prévia não se traduziu em desempenho superior de gestão municipal no Brasil. Restrições institucionais, burocracia e a rigidez orçamentária (Fundo de Participação dos Municípios) podem limitar a capacidade de um gestor replicar práticas do setor privado. O perfil profissional, isoladamente, não é preditor de sucesso administrativo.